segunda-feira, novembro 22, 2010

Anos dourados III


Onde aqui escrevo é uma mesa escura – ando economizando luz – onde paira uma caneca suja de café, compulsivamente eu a entorno, e pinga: não há nem uma magia nela, nem um rastro da arte. Mas necessidade.

Agora escrevo, finalmente, para Aquele homem: Aquele que veio e que roubou a minha vida.
Eu não queria de início, te impingir responsabilidades, você sabe disso: foi sempre leve a anticalmaria. O clímax nunca chegou. Bastava me sentir amparada, no inalcance dos teus sonhos, e me sentia logo bem. Você era do Bem! Eu ouvi uma vez.

Ouvi também para ficar. Meu Amor! Clamou. Me chama! Nunca te afastes de mim! (Pois tenho um punhal de carne, fonte da ausência do que eu não tenho que te mataria, pouco a pouco, para me refestelar no que não goza.)
Quando nos reencontramos – e eu estava fraca – estava também necessitada. Ouve! Eu queria. Quase cuspi na tua cara. Mas eu queria você pra mim, nas minhas teias, louca pra ter um sinal de que nos daríamos antes do sol e que eu te fugiria no que você me raptava. E te diria que nojo do mundo teu, do que você representa – de como você é pequeno, e fraco. Mas eu estava fraca! Te silenciei nas minhas telas. Tão mais interessantes!

Querido. Não sei se compreenderás minha dor, do tamanho do mundo. Há muito amor aqui! Não sei porquê te odeio. Não sei se você me confunde ou se o sou – mas sou parte do teu barro imundo... Minha cusparada cai na tua cara, cara tarada, ainda.
Te reencontrar mais velho foi estranho. Sempre te vi mais velho – nunca soube, ou quis saber, a tua real idade. Tenho visto tantas coisas! Tanta gente medíocre, e suja. Você iria gostar deles, se os conhecesse... Se pudesse conhecê-los.

Acha que se alimenta da mediocridade alheia. Do sujo do mundo – “do porão dos Homens”. No fundo és fétido. Perdido, nunca leu Bukowski – porque ele escreve mal, tudo bem. Você escreve? Ou o que é que você faz? Fazer sem dizer fazer, nada – ao longo do Tempo.
Que nunca me senti tão amada. Será que sou parte do Balcão? Do seu balcão de tráfico, de negócios e de trocas, restos. Será que sou uma espécie de sangue-azul ou de orquestra? Será que, por ser seu contrário, sou moça honesta em festa irrealizada?

Não sei mais quem eu sou. Eu digressei – volto ao Reencontro: como eu quis dizer – Eu odeio você! Sem poesia com ódio na cara. Louca de ódio. Louca... Louca por você.

Você sabe que não vamos chegar a lugar nenhum? Ou você tem rotas inéditas para mim?
Por que, de nós, eu nunca ouvi o seu coração falar – a não ser essa merda preconcebida que, você sabe me irrita? Eu sei que você é feliz longe de mim. Vi você, mais velho e feliz, me olhando de esquerda, me querendo de soslaio, mas só soslaio. Me acalentava! Fingia-se alegre! Desinteressado, aquém – um infantil, pouco sedutor. Passou a mão na minha cabeça e disse que desejava a minha buceta. Eu, que sempre amei a buceta, senti cheiro de golpe.

Nós nunca fomos amigos. Você não entra na minha vida por covardia, não vai aonde eu vou.
Alcoólatra tu bebes para se desarmar do teu próprio personagem, cheio de armas. Truques instintivos, humilhantes, tão pequenos desafiantes.

Mais tarde, mais sóbrio, você me choca. Parece safado. Parece não olhar na minha cara.
És um sermão de Superioridade, mas, no fim, és nada: um velho que ficará velho. Menino que perde cabelo – não sei se com ela – não sei mesmo. Você merece o escuro dos becos, o pouco dinheiro que te cobram – onde exibe a pouca grana que você detém. Fala com voz grossa, triste. Faz alegria e orgia. Nunca diz que me quer, querido: é tão di-fe-ren-te! Eu não sei mais quem sou e insistes que precisa de mim. Por que me ferir, chutar um cão baldio? Incendiar um bugio fazendo-o de gente e de, pior, dona e mulher?
Eu sou só uma puta que te quis um dia. Não prolongue.

Eu sou só uma puta que te achou, mais que interessante, bonito um dia. Não aumente.
Eu sou normal! Cruel cronicamente. Eu quis a tua família. Eu quis ser moça de família. Eu quis não ver mais o dia amanhecer, sozinha... Eu quis cuidar dos teus filhos. Quis seqüestrá-los.

Querido, eu menti, grossamente menti que seria coisa nova pra você – e que guardava coisas, coisas mais novas. Eu só queria te levar pra cama. Me mostrar útil – também.
Não éramos um casal, mas trepada. Agora, mais velho, você me questiona inquieto, e se esquiva. Fica mudo. Não me deixa mais calar tua boca.

Mais longe da minha cidade, mais longe da minha mesa, o efeito do café passando e eu mais nervosa, sinto que você abriu, aqui, um buraco – ali onde havia nós dois. Eu não sei mais que distância é entre você e eu... Não sei mais o que há de bonito em mim – e você, que não diz mais me adorar, mas me amar... Insiste. Eu não sei mais como esquematizar você, eu não sei se você foi demais ou pouco ainda. Eu escrevo muito e nunca escrevi tão pouco.

Você se lembra das músicas que ouvíamos? Ou você as ouve por que as quer ouvir?
De noite. Como é você sem eu nesse pulgueiro? Não quero pagar pra ver.

Quero ir praí. Quero não mais ocultar, fingir. Quero gozar, também – mas quero, antes, ver você gozar. Deixando-me tocar em você. Deixando-me entrar. Deixando-me chorar sobre o seu peito, liso, mais uma vez. Quero ser eu mesma! Pela primeira vez, em toda a minha história. Eu preciso dizer que eu te amo. E que eu te quero bem, mas que, egoísta, eu me quero pra ti para te fazeres bem. Seremos bons. Seremos Bem! Não haveremos ressaca – mas veremos tudo juntos. Você será incluído na minha listagem. Eu já fiz parte da sua. Meu nome não sai.

Tens o talento, ainda, de arrombar minhas portas?
Tens o talento?

Este é meu chamar clamando. Te amando... Ainda te amo.


Sebastião Maciel.

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