quarta-feira, setembro 29, 2010

Lamentos Vãos


Querido (...) já estou aqui há algum tempo, tenho andado pela cidade, conhecido gente. Noite passada conheci uma mulher que me deixou inquieta, não pude deixar de escrever os seus lamentos.

Perdi minha alma em alguma ruela, eu a perdi perambulando em ambientes mal cheirosos, entre azulejos sujos.

Não sinto mais cheiro algum, nada de cheiro de casa ou de mesa posta. O que me acalenta agora é esse vento frio cortando o rosto.

Não me dou mais, eu já não sei sentir, já não tenho alma nem calor, mas não quero permanecer assim, seca, oca, me lembro de ter pensado poucas vezes na minha vida de antes, alias já nem sei se era vida, mas mesmo assim era algo, algo que eu podia acreditar se chamar alma.

Agora olho pela janela os carros passam, ando fumando demais, essa boemia tem que acabar, já não temos grandes poetas e as minhas cartas já deixaram de ser intimas. Elas agora são só lamentos e rabiscos, escrevo pouco, bebo muito e sinto falta dos meus. Alias os meus já não existem, restou apenas um e eu não quero que ele me veja assim, oca, seca.

O trabalho me cansa, mais uma vez estou só, sempre a mesma poltrona cor de sangue seco, sangue coagulado. Sonhei com cores, elas - apenas elas eram vivas e eu apenas um cadáver.

Minhas entranhas estão secas e eu só enxergo vida quando elas sangram, meu sangue é vermelho vivo, assim como as minhas unhas. Estou amarga, minha boca já tem um cheiro fétido, cheiro de coisas amargas e passadas.

Queria procurar-te bater a tua porta, como da vez primeira ou da ultima, mas não consigo lá fora o vento é frio, um dia estranho de verão e que me faz refém da minha vontade. Estou sempre rodeada de gente, mas me sinto tão sozinha, queria encostar a cabeça no teu peito e sentir os teus dedos ninando o meu cabelo, igual quando eu ainda tinha alma.

Saudade da tua música no meu corpo, me invadindo e entrando fundo nos ossos. Sentir o teu suor e a tua inquietude.
E esse vento balançando o meu cabelo já em desalinho. Ontem foi um dia tortuoso pra mim, a tua ausência anunciada e eu num canto qualquer observando gestos teus que me parecem tão meus.
Gosto como o teu lábio inferior se contrai, gosto do movimento da tua língua quando se põe a falar pelos cotovelos. Gosto como ela toca os teus dentes brancos, teus dentes na minha carne quente e trêmula.

Eu desejei, eu ensaiei ir ter contigo, mas meu corpo já sem alma não obedeceu ao meu desejo e então eu a vi sentada num canto, eu a vi lá! Inerte, desconcertada, desfigurada.

Vento frio entrando pela janela amarela corroendo os ossos e indo de encontro às paredes frias e sem alma como eu agora. Ela assim como eu buscando um olhar cúmplice, aquele desespero e eu a me perguntar. Será que ela - Aquela também era eu?

Um comentário:

Mara faturi disse...

Oi,
gostei imensamente deste texto...doido e doído...Palavras cravando na carne!!!!
Volto a te visitar;))
Bjo*)